Entre o estômago e o bem-estar
Enquanto seres humanos, o melhor que podemos ser é mesmo sermos humanus. Sê-lo, na contemporaneidade, devia ser a tarefa mais fácil, considerando a evolução da nossa espécie, da técnica e da ciência.
Os humanos, tal como muitas outras espécies animais, não conseguem viver sem que estejam relacionados uns com os outros. Essa relação dá-se mediante (in)compreensões, 10 amores, angústias, solidariedade e egoísmos de vária ordem. A inteligência e a razão diferenciam-nos das demais espécies. Elas levaram-nos à sistematização dos grupos, modos de vida, cultura e definição de padrões considerados universais e específicos para cada realidade. Quase tudo foi feito para a preservação do bem mais precioso – a vida. Porém, a criação de grupos e classes sociais não obedeceu a factores horizontais, mas verticais, estando uns no topo e outros na base.
A disposição organizativa adoptada serve por si mesmo para os (des)equilíbrios sociais. A alteridade, nesse sentido, presta vassalagem à múltiplos interesses. Por exemplo, somos convidados a embarcar no jogo democrático que anestesia aqueles que, no voto, depositam todas as esperanças de humanização da Nação, e empodera uma minoria que implora a eleição, mas que, quase sempre serve aos interesses extra-eleitores.
O poder é alvo de disputa por uma minoria, a quem se confia a responsabilidade de servir sem ser servido, bajulado ou temido. As fórmulas estão feitas. Ninguém se importará com o poder se os governos forem humanos e conseguirem humanizar os governados. Enquanto a alteridade não acompanhar quem tem a missão de servir o povo, quase nada se pode esperar senão violência e a extinção da espécie. Somos carrascos da nossa espécie. Anestesiam-se vidas inteiras, silenciam-se utopias e pregões de pseudoesperanças são esquecidas ao ritmo do deixa a vida me levar. Viver, entre o povo, é cada vez mais difícil. Por consequência, entre sobre (e) viver, os governos preferem sobreviver e o povo opta pela (re)existência, ressignificando marcas da violência a que está exposta.
A ânsia por tempos melhores esbarra na canibalização de seres que venderam a humanização, que tinham à troco de comodismo, poder, e estômago sem espaços para tanto que possuem. Assim, males como a corrupção, o nepotismo, a bajulação e o oportunismo orientam o comportamento social. Na terra de Ngola, em boca fechada, moscas não entram e os meninos não devem falar sobre as makas do seu tempo. Eles só podem bambilar(1) para aceder às migalhas das benesses comuns ou ficar condenado a lumpenagem, pois quem com ciência protesta seja o que for, era frustrado e hoje é lúmpeno.
Aqueles que vendiam o sonho da humanização arrasaram almas que se dedicaram a pilhar ventos de consciência de alteridade. O poder implica alianças e, nestas, quem mais oferece alcança-o. No final, a luta pela proteção do estômago vazio protege castelos de areia.
A viralização do proteccionismo do estômago vazio instalou-se entre os vários estratos. As instituições estão menos humanizadas a cada dia. O veneno está nas lojas, nos supermercados, nas grandes fábricas a fabricar ricos e empoderados de à troco da falência de seus semelhantes.
Humanizar só interessa aos sonhadores. Aos caçadores de escadotes poderosos, importa tudo menos ser humanus. A manutenção do poder e do conformismo é o alvo de kapulíticos vendidos, ou seja, rendidos à robotização que visa a extinção da espécie. Aqui, Nzambi tukwatekese. A pilha esvaiu-se porque a vida segue seu curso e exige que a resistência seja convidada de honra daqueles que tudo o que querem é comida na mesa, escola para a prole, hospitais e empregos porque forças os ossos ainda têm.
- Bajular
José Bembo Manuel
martinsbembo@gmail.com
- Confissão - 26 de agosto de 2024
- A Queda do Cão Cidadão - 26 de outubro de 2023
- Crenças mortas pela viralização social - 4 de julho de 2023
Natural de Luanda (Angola), é licenciado em Ensino da Língua Portuguesa pela Escola Superior Pedagógica do Bengo (Angola) e docente Assistente Estagiário afeto ao Departamento de Letras Modernas da Escola Superior Pedagógica do Bengo. Membro do Conselho Editorial e Revisor Linguístico da ESP-Bengo Editora desde 2018 e revisor da RAEU – Revista Angolana de Extensão Universitária. Com as artes no sangue, é ator do Grupo Twana Teatro há 14 anos. Revisou a obra ‘Língua Portuguesa: subsídios para o seu ensino em Angola’, da autoria de Márcio Undolo (1ª edição, Editora ECO7, janeiro de 2019. Co-organizou o ‘Manual de Auxílio às Famílias de Crianças com Necessidades Educativas Especiais’ (1ª Edição, ESP-Bengo Editora, 2018).