Paulo Siuves: ‘O voo da flor dente-de-leão’
O medo nasce como uma sombra discreta, deslizando pelos cantos onde a luz mal chega. É um visitante silencioso, que se instala sem ser convidado e cria raízes profundas nos recantos que julgávamos seguros. Às vezes, ele murmura, uma voz baixa e insidiosa que nos faz hesitar; outras vezes, ele explode em gritos surdamente ensurdecedores, fazendo o peito apertar e a mente girar em círculos confusos. O medo é persistente, como uma erva daninha que insiste em crescer em solo seco, desafiando a aridez ao seu redor.
Mas o medo não floresce como as flores que esperamos. Ele é frágil, uma flor delicada como o dente de leão. Surge inesperadamente, em brechas do concreto, em rachaduras do asfalto, em terrenos inóspitos onde nada deveria crescer. Sua resiliência é um paradoxo; ele se espalha sem pedir licença, mostrando uma força que na verdade é sua fragilidade. O medo se esconde nas fendas do cotidiano, mas quando nos aproximamos e o observamos de perto, percebemos que ele, assim como o dente de leão, é uma ilusão de força.
Imagine, então, o medo como um mestre disfarçado, que nos ensina sobre os limites que autoimpomos e a coragem que precisamos descobrir. Ele nos desafia a encarar nossos receios mais profundos e a confrontar as sombras que projetamos em nós mesmos. É nesse confronto que revelamos nossa verdadeira essência, aquela capaz de transformar a sombra em luz.
Quando uma mulher se separa de seu parceiro, ela se vê cercada por um turbilhão de medos. O medo da opinião da sociedade, o receio de não conseguir pagar as contas, o temor de que seus filhos não a respeitem, o pavor das críticas dos parentes. Cada medo se torna uma muralha que tenta restringi-la, mas cada um também é uma oportunidade para que ela cresça e se liberte.
Na primeira brisa de coragem, o medo começa a se desfazer. Um sopro suave o leva embora, espalhando seus vilanos pelo vento, longe, para nunca mais retornar. O medo, antes colossal e opressor, se reduz a nada mais do que fragmentos leves, flutuando até desaparecer. O que resta é um caule vazio, um vestígio de uma força que nunca foi real, mas apenas uma construção ilusória.
Enfrentando o medo, descobrimos que ele não é um monstro invencível, mas sim um espelho que reflete nossas inseguranças e limitações. Libertar-se do medo é como soltar um dente de leão ao vento: um ato simples, porém poderoso, que permite que novas possibilidades se espalhem. E, ao nos libertarmos do medo, nos tornamos mais inteiros e livres, capazes de crescer em terrenos antes inóspitos.
O dente de leão, com sua beleza efêmera e fragilidade aparente, nos lembra que, às vezes, a verdadeira força está na capacidade de transformar o medo em liberdade. E, ao soprar o medo para longe, encontramos não apenas a coragem de enfrentar nossos desafios, mas também a capacidade de nos reinventar e florescer, mesmo nas circunstâncias mais adversas.
Paulo Siuves
Contatos com o autor
- A canção que nunca chega ao fim - 28 de setembro de 2024
- O voo da dente-de-leão - 16 de setembro de 2024
- Completando as deficiências - 7 de setembro de 2024
Paulo, de todos os seus textos em prosa que eu publiquei, este é o que mais gostei. A metáfora da dente-de-leão em relação ao medo é adequadíssima, pois esse sentimento, quando enfrentado estoicamente por quem por ele é tomado, acaba se desvanecendo, feito a dente-de-leão, ao sopro mais intenso do vento.
Paulo Siuves, sua prosa é fantastica, trazendo com muita propriedade uma reflexão imbatível, uma tese muito bem fundamentada nos princípios de superação à Liberdade . Aprecio!